SELEÇÃO HOLANDESA

Os altos e baixo da carreira de Virgil Misidjan

Virgil Misidjan

Ele desembarcou em Enschede em julho de 2021 e atualmente é um jogador muito importante para o FC Twente. Virgil Misidjan fala sobre as lições que aprendeu, o autoconhecimento e a morte do amigo que sente falta. “Jody Lukoki era como um irmão para mim”.

Agora que o FC Twente está novamente brigando pelas primeiras colocações da Eredivisie, Ron Jans não precisa se preocupar com jogadores que falam em um possível título da Eredivisie. Até mesmo Virgil Misidjan, um dos principais destaques dos Tukkers nesta temporada, foi questionado sobre isso.

“O FC Twente jogou na Keuken Kampioen Divisie há quatro temporadas. Este clube já conseguiu alcançar lugares altos no futebol holandês e nesta temporada estamos conseguindo fazer isso. Nós temos que continuar trabalhando duro” disse Virgil Misidjan.

“Você pode sentir que algo está acontecendo na cidade. Esta é uma temporada diferente e podemos alcançar o topo novamente. Os torcedores mostram o quão orgulhosos estão. Já mostramos nesta temporada que podemos competir com os melhores clubes e não apenas com as equipes intermediárias. Especialmente quando jogamos na nossa casa, nosso futebol costuma ser de alto nível. Nós vamos tirar muitos pontos dos principais clubes”

Nesse caso, o FC Twente terminaria entre os três primeiros, já seria uma façanha e tanto.

“Mas dizer que vamos ser campeões ainda é muito cedo”

Segundo o diretor de futebol do FC Twente, Jan Streuer, Virgil Misidjan se tornou um jogador importante no clube. O experiente dirigente do clube elogia o desempenho de Virgil Misidjan ao longo dessa temporada. Ele também aponta que Virgil Misidjan deixa sempre claro que quer melhorar mais e mais. Virgil Misidjan se prepara para cada partida com um aplicativo. Wyscout é o nome do programa de análise, que é utilizado por muitos dentro do futebol.

“Meu empresário me ajudou a abrir uma conta. Eu me alimento muito dessa fonte. Para esta temporada, eu estava determinado a me tornar mais focado e mais importante para a equipe”

Virgil Misidjan queria acabar com o descomprometimento que ainda tinha em determinados momentos e isso lhe prejudicava bastante. Se antigamente ele entrava em campo para jogar sem nenhuma preparação, confiando apenas na sua qualidade, atualmente ele faz uma preparação intensa para cada partida. Para exemplificar tudo isso, ele mostra o gol que marcou contra o FC Utrecht.

Ele chegou à bola nas pernas do zagueiro, Mike van der Hoorn. A finalização pegou Vasilis Barkas de surpresa. Quem não estudou tanto essa jogada, diria que foi um golpe de sorte para o atacante.

“Foi 100% planejado. Olhe onde está o goleiro. Ele estava muito perto da primeira trave no chute de Oussama Idrissi. Ele faz isso com frequência, eu queria tirar vantagem disso. Quando eu tinha a bola na área e vi Mike van der Hoorn na minha frente, eu sabia que se chutasse naquele momento por baixo das pernas dele, eu teria uma boa chance de marcar”

Vasilis Barkas estava exatamente no mesmo lugar em que Virgil Misidjan vinha estudando. Jogadores de futebol e goleiros são criaturas de hábitos, tornando os dados uma ferramenta útil para cada atleta que deseja fazer a diferença com mais frequência.

“Além de me preparar para enfrentar onze jogadores, eu também procuro saber quem será meu adversário direto em campo. E começo a entender como meu adversário gosta de se posicionar, como gosta de defender, ele espera a jogada acontecer ou gosta de vim para cima, quanto espaço por dentro e por fora ele cede? E o que ele prefere fazer com a bola? Ele gosta de driblas os adversários ou quando recebe a bola procura logo um companheiro para tocar? Eu procuro absolutamente tudo. Eu gosto de fazer isso, de saber onde conseguir vantagem”

Virgil Misidjan ficou chocado quando ouviu a escalação do FC Utrecht.

“Eu estava assistindo e estudando Sean Klaiber a semana toda. Eu ouço na preleção que ele não estaria em campo. Eu ia pedir o número de Sean Klaiber para Anass Salah-Eddine e ligar para ele entrar em campo” disse Virgil Misidjan sorrindo.

“Eu comecei a pedalar na bicicleta, como sempre gosto de fazer, e rapidamente procurei imagens de Hidde ter Avest. Encontrei amais algumas coisas que me ajudaram durante o jogo. Eu sei que os adversários podem me estudar, então sempre procuro algo para surpreender a cada partida” comentou Virgil Misidjan.

Ele comenta sobre como está sendo essa temporada para ele.

“Eu finalmente me sinto livre. Não estou tendo lesões. Isso é muito bom. Na temporada passada, eu perdi os primeiros jogos, fiquei muito tempo no banco de reservas, porque quando eu entrava, me cansava muito rápido. Nesta temporada está sendo completamente diferente. Eu me sinto cada vez mais em forma, mais forte fisicamente. Isso me permite fazer melhores escolhas dentro de campo. Agora jogo todos os jogos com o pensamento de ser decisivo. Isso coloca pressão sobre mim, mas eu gosto desse sentimento. Isso me estimula”

Ele recebe muito apoio de todo o elenco do FC Twente durante os jogos e treinamentos. Ele comenta que é bastante encorajo a arriscar mais durante os jogos.

“Eles me envolvem completamente na partida e me incentivam a ir para cima. Para um ponta não há nada melhor do que sentir essa confiança. O futebol é uma profissão complicada, no final muitas vezes você tem que confiar em si mesmo, mas este é realmente um super time. Nós nos ajudamos, nos animamos. Mesmo que alguém não jogue, nós o apoiamos como um time.”

O fato de o FC Twente quase não ter perdido jogadores da temporada passada para essa, está fazendo a diferença.

“Nós temos um grupo experiente. É bom termos Ron Jans como nosso treinador, mas também lidamos bem com muitas coisas. Nós nos corrigimos. Se alguém se atrasar, resolveremos isso entre nós. Quando a comissão técnica apresentar um plano de jogo e entendemos que outros caminhos melhores podem ser adotados, nós temos poder para opinar e chegamos na decisão como uma equipe. O treinador coloca muita responsabilidade sobre nós. Todo mundo sabe que o nosso lema é defender juntos para atacarmos juntos”

Virgil Misidjan elogia a maturidade e a disciplina do elenco, mas ele próprio foi punido pelo jogo em casa contra o SBV Excelsior, em 31 de agosto. Ele comentou sobre o ocorrido.

“Eu estava no banco de reservas. Eu me perguntei em voz alta por que não estava jogando. Não gritei, não briguei com o treinador. Não sou um jogador que causa problemas, mas naquele momento, me perdi. O treinador achou que minha reação não era a melhor e me expulsou do time. Não concordei, porque fiz uma pergunta normal. Mas depois o timing não foi bom e eu deveria ter conversado com ele em outro momento”

Meu relacionamento como treinador não foi prejudicado. No dia seguinte eu jogo, voltei a treinar e voltamos a sorrir em campo. O treinador me estimulou de qualquer maneira. Fiquei pasmo nas arquibancadas contra o SBV Excelsior. Nunca mais, disse a mim mesmo e resolvi mostrar ao treinador que ele não pode mais me ignorar”

O atacante vem de um verdadeiro ninho de futebol. Ele é filho de pai nascido em Suriname, que trabalhava em uma fábrica de pão como sua mãe, cresceu no meio de três irmãos apaixonados. Ele descreve como foi, em sua casa em Tilburg.

“Só queríamos jogar futebol na rua, mas nossa mãe nem sempre deixava. Nós usávamos as cadeiras como barras. Nós quebramos muitos vasos, plantas, televisões”

Nas praças, ele jogou ao lado dos primos Cendrino e Diferdio Misidjan. O primeiro depois se tornou jogador profissional no Go Ahead Eagles, Sparta Rotterdam e FC Dordrecht, o segundo agora espera uma estreia no PEC Zwolle. Torino Hunte também nunca esteve longe. O ex-jogador do FC Eindhoven, VVV-Venlo e Almere City FC também primo de Virgil Misidjan.

“Torino me ensinou muito. E ele me mantém em forma. Ele me ligou depois do jogo fora de casa contra o Ajax. Eu quase dirigi até o estádio”

Aos oito anos, Virgil Misidjan entrou nas categorias de base do Willem II. Ele foi rapidamente reconhecido como um talento extraordinário.

“A questão não era se eu me tornaria um jogador profissional, mas apenas onde e quando isso iria acontecer”

Aos dezoito anos, estreou no time titular ao lado de Jeroen Lumu, dois anos mais novo que ele.

“O Manchester City estava atrás dele, isso não me surpreendeu. Ele era excepcional. Ele jogava na ponta esquerda e eu na ponta direita. Um alimentava o outro”

Uma carreira no futebol pode tomar diversos rumos e Virgil Misidjan sabe disso. Lumu não tinha a disciplina para uma carreira de ponta e desde então jogou em vários clubes amadores. No passado, Virgil Misidjan transitava entre a escola e o clube.

“Uma carreira no futebol pode ser tão estranha. Fiquei muito tempo na Bulgária. Depois de uma temporada a meia, tive a chance de retornar à Holanda. O PSV me queria. Eu estava pronto para ser o sucessor de Memphis Depay. Eu conversei bastante com Marcel Brands. Ele queria me pegar empestado por meia temporada, com opção de compra, mas o dono do Ludogorets Razgrad não queria me liberar por empréstimo. Se o PSV me quisesse, eu tinha que ser comprado. Ele pediu alguns milhões para me liberar. Mandei mensagem para Marcel Brands dizendo que realmente queria ir para o PSV. Ele respondeu que essa decisão não estava em suas mãos e que o dono do PSV não queria gastar nada naquele momento. Eu também fui até ele e expliquei a oportunidade para mim. O PSV é um dos maiores clubes da Holanda e indo para lá, eu terei a oportunidade de ser convocado para a seleção holandesa. Ele não se comoveu com a minha história. Nós tínhamos vencido o PSV duas vezes na Liga Europa da temporada passada, para o dono, cabia ao Ludogorets Razgrad decidir. Infelizmente não conseguir defender o PSV”

Seu tempo na Bulgária ficou ofuscado por isso.

“Eu ganhei muita experiência na Liga dos Campeões e na Liga Europa. Ganhei cinco vezes o campeonato nacional e estava muito bem financeiramente. E no final forcei uma saída para o Nuremberg, onde me tornei a maior compra da história do clube”

Muitas vezes ele foi vítima de racismo. Na Bulgária, o racismo é ainda muito vivo e isso é um problema para os jogadores negros. Em diversos jogos, Virgil Misidjan ouviu das arquibancadas barulhos de macacos.

“Mas eu permaneci focado. E no Ludogorets Razgrad não foi tão ruim quanto em outros clubes. Os jogadores do Levski Sofia foram intimidados por seus próprios torcedores”

Ele poderia ter retornado a Bulgária, afinal de contas, o Ludogorets Razgrad fez uma proposta por ele. Jan Streuer recusou prontamente, como todas as outras propostas pelos principais jogadores do clube.

“Eu entendo isso. As coisas estão indo tão bem agora, estamos trabalhando em algo tão grande. Financeiramente, teria sido um passo atraente para mim. Mas estou me divertindo muito no FC Twente. Também em particular em Enschede, com minha namorada e nossos três filhos”

O contrato de Virgil Misidjan se encerrará ao final dessa temporada e Jan Streuer já deixou claro que quer renovar o contrato dele.

“Estou esperando para ver o que o FC Twente terá para oferecer e resolverei tudo ao final da temporada. Eu vou conversar com minha família. Verei o que terei na mesa. Como atacante, existe sempre boas propostas do exterior. Sou ambicioso e espero dar mais um belo passo na Europa”

Ele passou por muitas coisas dentro do futebol, cometeu erros ao longo do caminho, mas aprendeu com tudo isso. No futebol e na vida. Agora a vida sorri para ele, mas Virgil Misidjan também derramou muitas lágrimas. Jody Lukoki que morreu em 9 de maio do ano passado, foi uma perda muito dolorosa para Virgil Misidjan.

“Jody Lukoki era meu melhor amigo. Nós jogamos juntos no Dwight Lodeweges. Morávamos lado a lado e íamos juntos todos os dias para o clube. Nós fazíamos tudo juntos. Eu dormia no quarto dele quando viajávamos com o clube. Ele era como um irmão para mim. Quando fui ao FC Twente, indiquei Jody Lukoki”

Jody Lukoki logo sofreu uma lesão grave no joelho, depois entrou em contato com o judiciário e foi expulso do FC Twente após seis meses.

“É trágico como tudo acabou para Jody Lukoki. Ele estava nos jornais de forma negativa, fez coisas erradas. Mas não era o Jody Lukoki que eu conheci. Não para mim. Eu o conhecia como um menino muito bom, doce e sorridente. Nós nos divertimos muito juntos”

A morte de Jody Lukoki foi um duro golpe para Virgil Misidjan.

“Eu tive muita dificuldade para entender isso. Eu estava em seu funeral. Na comemoração em nosso estádio, à noite jogamos futebol contra o FC Groningen. Isso foi tão impressionante. Fiquei com perguntas na cabeça. Eu junho eu estava de férias no Egito com minha família. Foi aí que eu disse a mim mesmo para deixar Jody Lukoki partir”

Virgil Misidjan conseguiu seguir em frente. Ele guarda boas lembranças de Jody Lukoki, cuja morte foi celebrada recentemente por Ron Jans na recepção do ano novo do FC Twente.

“A vida de todos continua, o futebol continua, muitas pessoas se esqueceram do que aconteceu com Jody Lukoki. É diferente para mim. Perdi um amigo”

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