SELEÇÃO HOLANDESA

Como a Holanda perdeu Hakim Ziyech para Marrocos?

Hakim Ziyech

“Toda vez que eu o vejo em campo, penso que é uma pena que ele não tenha optado por defender a nossa seleção. Atualmente, não temos um jogador como ele em nosso futebol” diz Rafael van der Vaart. Embora Hakim Ziyech tenha tomado a sua decisão final pela seleção do Marrocos há mais de sete anos, Rafael van der Vaart não é o único que está desapontado na Holanda por não ver Hakim Ziyech defendendo as cores Laranja da seleção holandesa.

Na última terça-feira, Hakim Ziyech fez história com a seleção de Marrocos, afinal de contas, a equipe eliminou a Espanha nos pênaltis e conquistou a vaga nas quartas de final, se tornando a quarta seleção africana a disputar essa fase da Copa do Mundo. Em 1990 foi Camarões, em 2002 foi Senegal, em 2010 foi Gana e agora, Marrocos.

Mas o que aconteceu para Hakim Ziyech optar por defender a seleção marroquina ao invés da Holanda? Nós voltamos no passado para destrinchar todos os detalhes que levaram Hakim Ziyech a não defender a Holanda.

29 de fevereiro de 2012

O que parece um sonho que certamente nunca se tornará realidade, um dia realmente aconteceu. Cerca de 300 pessoas que estavam no Stadio Comunale Lido na Suíça, presenciaram o dia em que Hakim Ziyech vestiu a camisa da seleção holandesa Sub19.

O então treinador da seleção holandesa Sub19 era Wim van Zwam. Após um primeiro tempo sem muitas emoções, Wim van Zwam fez três alterações na equipe. Nigel Bertrams, Jürgen Locadia e Hakim Ziyech entraram nos lugares de Hobie Verhulst, Anass Achahbar e Chris David. Naquela época, Chris David era atacante do Fulham e uma das grandes promessas do futebol holandês.

Hakim Ziyech ainda era uma completa incógnita para todos. Ele estava atuando nas categorias de base do SC Heerenveen. De longe, Hakim Ziyech parecia um dos jogadores mais habilidosos em campo, mas ele ainda era uma grande dúvida no Abe Lenstra Stadion.

“Quando eu era mais jovem, eu não era a pessoa mais fácil de se tratar. Para muitas pessoas, eu era conhecido como o garotinho chato. Eles estavam certos, eu era extremamente irritante. Se algo estava acontecendo, eu estava lá. Eu sempre tive que ter a última palavra, não importa quem estava na minha frente. Não deixava ninguém falar nada” disse Hakim Ziyech.

Com apenas dez anos de idade, Hakim Ziyech perdeu seu pai, Mohamed.

“Meu pai teve uma doença muscular e eu realmente o vi piorar. Quando eu tinha 17 anos, eu estava em um momento difícil da minha vida, meu irmão Faouzi e eu conversamos francamente. Ele foi duro nas palavras, me perguntou o que eu queria da minha vida, da minha carreira. Essa conversa ficou martelando na minha cabeça durante várias noites e então cheguei à conclusão de que queria focar na minha carreira como jogador de futebol profissional. Eu já estava pronto para parar de jogar. Quando meu pai morreu, eu era muito jovem. A princípio não percebi o que estava acontecendo, não pensei muito. Mas conforme fui envelhecendo, a morte do meu pai teve mais impacto, perdi um certo rumo. Eu tinha uma mente muito fraca e era facilmente influenciado e estava com pessoas erradas ao meu redor. Eu estava prestes a desistir de tudo, a desistir do que mais amo que é jogar futebol. Depois daquela conversa com meu irmão, fiquei convencido de que eu deveria continuar jogando. Às vezes é necessário um momento como esse em nossas vidas, para que possamos nos fortalecer e seguir ainda mais fortes” disse Hakim Ziyech.

E assim Hakim Ziyech ganhou forças para seguir no futebol e continuar crescendo nas divisões de base da Holanda. Voltando aquela estreia dele na seleção holandesa Sub19, ele foi responsável por servir Memphis Depay no segundo gol da Holanda.

No Sub20, ele formou o meio-campo da Holanda com Thomas Bruns e Ilan Boccara e no Sub-21 ele entrou no lugar de Tonny Vilhena e na vitória da Holanda por 6 a 1 contra a Escócia. Nessa partida, Hakim Ziyech marcou os dois últimos gols da Holanda.

O próximo passo lógico era ser convocado para a seleção holandesa principal. O passo que os já mencionados Memphis Depay e Tonny Vilhena deram. Hakim Ziyech também daria?

19 de maio de 2015

Após a Copa do Mundo de 2014, a Holanda queria encontrar um novo rumo. A Laranja tinha chegada a semifinal da Copa do Mundo no Brasil e precisava montar um novo elenco para chegar na Copa do Mundo de 2018. A KNVB anuncia a contratação de Guus Hiddink como treinador da equipe, devido a ida de Louis van Gaal para o Manchester United. Ele chegou sob forte desconfiança, afinal de contas, já não era aquele treinador vitorioso que se mostrou ao longo da sua carreira. E isso se justificou a cada partida da seleção holandesa. Os resultados não vieram e ele foi demitido.

Com apenas sete pontos em cinco jogos, a Holanda estava apenas na terceira colocação nas eliminatórias para a Eurocopa, atrás de República Tcheca (13 pontos) e Islândia (12 pontos). Não é à toa que Guus Hiddink e seu assistente e futuro treinador da seleção holandesa, Danny Blind, planejaram alguns dias para um campo de treinamento especial na preparação para o amistoso contra os Estados Unidos e a partida pelas eliminatórias contra a Letônia. A comissão técnica da Holanda começava a buscar novos jogadores para assumir as vagas de Wesley Sneijder, Arjen Robben, Nigel de Jong e Robin van Persie que já estavam muito próximos de se aposentar a da seleção holandesa.

Davy Pröpper faria sua estreia contra os Estados Unidos. Steven Berghuis e Tjaronn Chery estavam inclusos na convocação provisória, assim como Hakim Ziyech.

O craque fez uma excelente primeira temporada no FC Twente com onze gols e dezesseis assistências. Ele respondeu com muita alegria que aceitava o convite da seleção holandesa.

“Quero deixar uma boa impressão durante meu tempo na seleção. Quero aproveitar ao máximo essa oportunidade e mostrar que tenho condições de integrar a seleção holandesa” disse Hakim Ziyech na época ao site do FC Twente.

27 de maio de 2015

Após apenas um dia e meio com a seleção holandesa, Hakim Ziyech precisou ser cortado da convocação, pois teve uma lesão na articulação.

Na véspera, ao chegar ao local onde a seleção holandesa ficaria alocada, ele já teria confirmado que sua escolha em defender a Holanda era definitiva.

“É verdade que também fui chamado por Marrocos. Foi uma escolha muito difícil. Mas eu gostaria de jogar a Copa do Mundo e Europa” disse Hakim Ziyech na época.

Até então, a última vez em que Marrocos teria disputado uma Copa do Mundo foi em 1998. Na Copa Africana de Nações, Marrocos chegou apenas uma vez na final e foi em 2004. O histórico da seleção marroquina não ajudava a Hakim Ziyech a fazer uma escolha diferente da Holanda.

12 de agosto de 2015

O FC Twente ainda está longe do nível da temporada 2009/10, quando se sagrou campeão da Eredivisie pela primeira vez. Mas depois de terminar a Eredivisie por duas temporadas consecutivas na sexta colocação, terminar entre os três primeiros é um objetivo muito bom.

Em uma entrevista para o jornal holandês, VI, Hakim Ziyech falou muito sobre sua infância e diversos outros assuntos.

“Quando eu era criança, a nossa única diversão era jogar futebol. Eu era a atração da rua e a única criança que poderia jogar com os adultos. Todos ficavam rindo quando eu driblava algum adulto” disse sorrindo Hakim Ziyech.

“Eu sou muito imprevisível quando eu tenho a bola. Posso ter uma inspiração de última hora e fazer algo que ninguém espera. Claro que é necessário ter capacidade técnica e física para realizar esses movimentos. Mas o futebol é acima de tudo um esporte mental. Está tudo na sua cabeça. Como enganar o adversário? Onde você pode encontrar os espaços?”

Ele também comentou sobre as críticas que já eram muitas em cima do seu futebol.

“Esse é o meu tipo de jogo. Jogo sempre no limite, sempre em busca daquela jogada decisiva. Se você colocar muito risco em seu jogo, isso significa que às vezes as coisas darão erradas. Eu não me importo se as pessoas vaiarem para mim. Mesmo que eu faça cinco passes errados consecutivos, eu realmente não me importo” comentou Hakim Ziyech.

“Após essa temporada, eu gostaria de me transferir para uma liga maior. Eu quero jogar a Liga dos Campeões, experimentar a Eurocopa e Copa do Mundo” falou Hakim Ziyech.

Seria lógico que Hakim Ziyech estaria entre os pré-convocados para os jogos contra Islândia e Turquia.

“Quando chegar a hora, estarei pronto. Se eu não estiver na próxima convocação, terei que trabalhar ainda mais para construir essa oportunidade. Os treinos e jogos desse nível podem me ajudar muito a dar o próximo passa como jogador. Eu apenas disse: eu quero jogar a Eurocopa e a Copa do Mundo e no fundo da minha mente, eu creio que verei a Holanda na Eurocopa e estarei lá defendendo a seleção”

28 de agosto de 2015

Há muita crise em torno da seleção holandesa, mas dada a confiança de Danny Blind e de seus assistentes, Mark van Bommel e Ruud van Nistelrooij, isso logo terminará.

Guus Hiddink já havia sido demitido e Danny Blind foi efetivado como treinador da seleção holandesa. A derrota no amistoso para os Estados Unidos em Amsterdã, e a vitória sofrida diante da Letônia, foram demais para a KNVB.

O direto de futebol da KNVB naquela época era Bert van Oostveen, e o gerente de futebol era Hans Jorritsma visitaram a casa de Guus Hiddink na França e conversaram como treinador. Eles informaram a Guus Hiddink que a seleção holandesa não contaria mais com os serviços do treinador para a sequência dos jogos.

Oito dias depois, Danny Blind anuncia sua convocação para os jogos importantíssimos das eliminatórias para a Eurocopa que definiria o futuro da Holanda. Os jovens Kenny Tete e Jaïro Riedewald do Ajax, foram convocados. Nigel de Jong, Bas Dost, Virgil van Dijk e Hakim Ziyech não foram chamados.

6 de setembro de 2015

A Holanda perde para a Islândia por 1 a 0. Neste jogo, Bruno Martins Indi é expulso no começo do jogo, dificultando ainda mais a vida holandesa na partida. Contra a Turquia, a Holanda conhece uma nova derrota, dessa vez, por 3 a 0.

O sentimento da Holanda sobre a seleção holandesa era um caos completo e absoluto. A ida para a Eurocopa de 2016 estava praticamente fora de cogitação.

No início do verão, a Holanda ainda ocupava a quinta posição no ranking da FIFA. Ao final desses jogos, a Holanda caiu para a décima segunda colocação. Embora Marrocos estivesse ocupando a 83ª posição, é quase certo que Hakim Ziyech poderia tirar a Eurocopa de 2016 da cabeça.

17 de setembro de 2015

“Hakim Ziyech aceita a convocação de Marrocos”. Essa era a mensagem estampada em todos os sites de notícias da Holanda.

O então treinador do Marrocos, Badou Zaki convoca Hakim Ziyech para os amistosos contra Costa do Marfim e Guiné. Essas partidas serviriam de preparação para as eliminatórias para a Copa do Mundo com Guiné Equatorial.

5 de outubro de 2015

Antes dos jogos das eliminatórias para a Eurocopa contra Cazaaquistão e República Tcheca, Danny Blind está sendo questionado sobre a mudança repentina de Hakim Ziyech para Marrocos.

Mais tarde, Hakim Ziyech também foi questionado sobre a mudança de escolha. Ele afirma que mesmo que Danny Blind o tivesse visita em sua casa, a decisão de defender Marrocos estava tomado e não poderia ser alterada.

“Eu me perguntei para onde meu coração estava indo. E a resposta que tive era Marrocos. Embora eu tenha nascido na Holanda, me sinto marroquino. Muitas pessoas não entendem esse sentimento” disse Hakim Ziyech. O pai dele, Mohamed, não está enterrado na Holanda, mas em Marrocos.

“Certamente eu tive a sensação de que eu tinha que trabalhar mais do que todos, porque eu era marroquino. Aos 16 anos eu era um dos melhores jogadores, mas ainda não tinha um contrato” disse Hakim Ziyech.

9 de outubro de 2015

No começo do segundo tempo, Seydou Doumbia coloca a Costa do Marfim em vantagem. Aos 65 minutos, Younès Belhanda entra no lugar de Hakim Ziyech e a torcida marroquina começa a aplaudir o atacante holandês.

Hakim Ziyech certamente não esperava uma recepção tão calorosa da torcida do Marrocos.

6 de dezembro de 2022

“Eu escolho meu próprio caminho, não deixo que ninguém faça isso por mim” disse Hakim Ziyech.

O atacante sofreu várias quedas com Marrocos. A eliminação prematura da Copa da África de 2019 contra Benin foi amplamente creditada a ele, pois Hakim Ziyech foi responsável por perder um pênalti durante o tempo normal. Por problemas de relacionamento com Vahid Halilhodzic e Hervé Renard, ele ficou um bom período sem ser convocados para defender Marrocos. Mas Hakim Ziyech nunca se arrependeu de escolher Marrocos como sua seleção.

Para Danny Blind e sua comissão técnica, isso permaneceu por muito tempo como uma mancha em seu trabalho, especialmente devido aos resultados que infelizmente não foram fáceis para eles e para a Holanda nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018 na Rússia.

Mais tarde, durante a preparação para a Copa do Mundo de 2019, onde Hakim Ziyech foi e Danny Blind e Marco van Basten ficaram de fora, o craque de Marrocos decidiu voltar a seleção marroquina.

“Tudo poderia ter sido diferente. Se Guus Hiddink tivesse me dado uma oportunidade, tempo de jogo contra a Letônia, eu nunca poderia ter escolhido defender Marrocos. Mas as coisas são como são e estou prestes a jogar a Copa do Mundo” disse Hakim Ziyech em 2018.

Ele admitiu que se sentiu deixado de lado pelas comissões técnicas da Holanda.

“Eu senti cada vez mais que Marrocos seria a escolha certa para mim. Quando eu não fui convocado pela Holanda, membros da federação de Marrocos vieram falar comigo. Era nítido o carinho e a vontade que eles tinham em contar comigo. Nunca senti isso da seleção holandesa” disse Hakim Ziyech.

“Marco van Basten me chamou de estúpido por escolher Marrocos, mas eu acho que fiz a escolha certa. Veja a situação de Adam Maher e Anwar El Ghazi. Eles escolheram a Holanda e nunca mais foram convocados. Certamente teria boas chances na nossa seleção” comentou Hakim Ziyech.

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