SELEÇÃO HOLANDESA

A silenciosa história de Jeffrey Gouweleeuw na Alemanha

Jeffrey Gouweleeuw

Jeffrey Gouweleeuw já era titular na Bundesliga quando Klaas-Jan Huntelaar ainda era o centroavante do Schalke 04. Isso faz de Jeffrey Gouweleeuw um jogador respeitado na Alemanha, enquanto isso na Holanda, pouco se fala do defensor de 31 anos.

Para chegar na cidade alemã de Augsburg, saindo da Holanda, é uma viagem que tem duração média de seis horas e passa por cidades como Stuttgart, Kaiserslautern, Frankfurt, Mainz, Leverkusen, Düsseldorf, Mönchengladbach, Duisburg, Dortmund e Gelsenkirchen. Nem todas essas cidades possuem, atualmente, clubes na elite do futebol alemão. Poucas dessas equipes alcançaram o feito que o Augsburg luta hoje para mantar. Já são onze temporadas consecutivas na Bundesliga. Em 2011, o FC Augsburg conseguiu o acesso para a Bundesliga e em apenas uma temporada, o clube alcançou o feito de disputar a Liga Europa.

Um holandês tem um papel de destaque nessa história silenciosa e especial. Desde o momento em que ele trocou o AZ Alkmaar pelo FC Augsburg no meio da temporada 2005/06, Jeffrey Gouweleeuw tem sido um dos principais jogadores do clube, e a atual temporada, é a terceira como capitão da equipe.

O Hall da Fama no estádio do FC Augsburg é montado de acordo com uma linha do tempo. O retorno para a Bundesliga em 2011 é o destaque. Logo depois, uma camisa do AZ Alkmaar estampada em um dos quadros.

“Eu ainda estava no AZ Alkmaar e joguei contra o Augsburg na fase de grupos da Liga Europa. Foi muito bom aquela partida. Algum tempo depois, um dos zagueiros da equipe se machucou gravemente e eles começaram a procurar um substituto. O resto é como dizem, é história” disse Jeffrey Gouweleeuw, sorrindo.

Jeffrey Gouweleeuw fez um tour pelo Merkur Spiel-Arena, casa do FC Augsburg desde 2009, com capacidade para trinta mil pessoas.

“O antigo estádio também continua de pé. Para os nossos torcedores, é muito importante que continuemos com o Rheinstadion. O nosso atual estádio possui uma atmosfera que assusta quem vem jogar contra nós. Não foi por acaso que vencemos o Bayern de Munique duas vezes na nossa casa” disse Jeffrey Gouweleeuw.

Devido a degradação no Rheinstadion, o estádio continua aberto e o FC Augsburg manda dois a três jogos por temporada naquele local.

Bayern de Munique e 1860 de Munique, estão entre os principais rivais do FC Augsburg. Um pouco mais ao sul fica a fronteira com a Áustria.

“Em dias claros, você consegue enxergar os Alpes daqui. À sua direita está o prédio principal do estádio, e um pouco mais adiante está uma nova loja de torcedores. Quando cheguei aqui em 2016, nenhum desses prédios estava finalizado. A cada temporada que passa, o clube vem investindo ainda mais na estrutura. Quando você passa por aqui à noite, o nosso estádio fica completamente iluminado com as cores do clube, verde e vermelho. É bom ver como tudo foi se desenvolvendo”

Jeffrey Gouweleeuw já atingiu a marca de 177 partidas disputadas com a camisa do FC Augsburg. O defensor não imaginaria isso a alguns anos atrás.

“Eu não teria previsto isso há sete anos. A minha vinda para cá me transformou não apenas enquanto profissional do futebol, mas também como ser humano. Em alguns momentos, quando falo com minha mãe por telefone, ela diz que estou parecendo mais com um alemão do que com um holandês. Eu não percebo nada disso. Às vezes é difícil encontrar certas palavras em holandês” disse Jeffrey Gouweleeuw sorrindo.

Há dezesseis anos, o início da sua carreira no futebol foi quando receber um convite do SC Heerenveen para realizar uns testes. Após algumas avaliações, ele foi convidado para participar das categorias de base do clube. Ele atuava no clube amador do ADO’20.

“O mais complicado foi deixar minha cidade e me mudar para Heerenveen. Meus pais não queriam deixar, eu tinha apenas quinze anos” disse Jeffrey Gouweleeuw.

Ele ficou alojado em Oudehaske, com o tio e a tia Sven Kramer.

“Dali era mais meia hora de bicicleta para o centro de treinamento do SC Heerenveen. Eram frísios de verdade, a princípio, não entendia nada do que conversavam. Ainda assim, me acostumei muito rapidamente. Depois de um ano, fui convidado pelo AZ Alkmaar. Então eu poderia ter voltado para casa, mas decidi ficar com o SC Heerenveen.

Foi nesse período que ele começou a se destacar no time principal do SC Heerenveen comandado por Ron Jans, atual treinador do FC Twente. Na temporada 2011/12, com 20 anos, Jeffrey Gouweleeuw se torna um jogador titular dos Heerenveners.

“Nós tínhamos um grande time e conseguimos uma vaga na Liga Europa da temporada seguinte. Então veio a proposta do AZ Alkmaar”

Desta vez, após recusar uma primeira proposta quando ainda estava nas categorias de base do SC Heerenveen, Jeffrey Gouweleeuw decide aceitar o convite dos Cheeseheads. Os Heerenveners receberam cerca de 1 milhão e 500 mil euros para liberar Jeffrey Gouweleeuw. Em Alkmaar, ele formou dupla de defesa com Nick Viergever, mais tarde, Wesley Hoedt e Derrick Luckassen. Em sua segunda temporada, ele terminou em terceiro com o AZ Alkmaar, resultando em uma vaga na Liga Europa que acabaria por ter um grande impacto em seu futuro.

“Eu me lembro que tive que me habituar à intensidade dos treinamentos. Uma transferência no meio da temporada não é ideal, porque você não tem a preparação adequada para se adaptar ao futebol que o país joga. Eu fiquei no banco de reserva nos primeiros três jogos após a minha transferência. Comecei como titular no quarto jogo, contra o Bayern de Munique, em casa. Daquele momento até agora, sempre joguei quando estiver em condições de entrar”

Se manter entre os grandes clubes da Alemanha, principalmente quando se possui um orçamento modesto, é algo a ser reconhecido como um trabalho muito bem realizado. É o que acontece com o FC Augsburg. O clube luta pela sobrevivência entre os grandes clubes da Alemanha, temporada após temporada. Até agora com sucesso, mas na grande parte desse período em que o FC Augsburg está na Bundesliga, a permanência só é garantida nas rodadas finais. Nas três temporadas passadas, o clube terminou duas vezes como primeiro time fora da zona de rebaixamento.

“Até o momento, chegamos sempre na última rodada já com a permanência garantida na Bundesliga, mas muitas vezes, passamos muitas rodadas lutando ponto a ponto para se salvar. Há dois anos, por exemplo, estávamos sob grande pressão. O nosso último jogo foi em Munique contra o Bayern de Munique. A penúltima rodada tinha sido em casa contra o Werder Bremen, concorrente direto. Era matar ou morrer. Nós ficamos com um jogador a menos logo cedo, mas conseguimos garantir o empate no primeiro tempo. Depois do intervalo, eles também perderam um jogador e no final conseguimos vencer. Se tivéssemos perdido aquele jogo, dificilmente teríamos ficado na Bundesliga”

Atualmente, o FC Augsburg está na décima quarta colocação da Bundesliga. Por conhecer tão bem o clube, ele sabe quais são os objetivos da equipe.

“Para nós como jogadores, um rebaixamento é obviamente difícil, mas escapamos relativamente bem nas últimas temporadas. Para a equipe, é uma história completamente diferente. Em muitos clubes da Alemanha, muitos funcionários possuem salários atrelados ao desempenho esportivo. Por exemplo, se a equipe é rebaixada, o faxineiro terá seu salário diminuído na temporada seguinte. Ao longo dos últimos anos, construímos uma relação muito boa com todos os funcionários do clube, eles também estiveram presentes no meu casamento. Então eu sei que se formos rebaixados, pode significar que alguém não poderá mais pagar o aluguel da sua própria casa. Esse entendimento faz com que todos nós joguemos não apenas por nós, mas por todos os funcionários do clube. Não tenho nem como comparar ao que acontece no AZ Alkmaar. Lá, a nossa temporada ruim era quando terminávamos em quinto”

“Jogar na Bundesliga não é fácil para o FC Augsburg, financeiramente falando, nós temos um dos menores orçamentos. Há clubes com muito mais dinheiro do que nós que estão na segunda divisão. Todo ano que permanecemos é uma grande festa para o clube. Porque você não quer acabar naquela segunda divisão, com clubes como Hamburgo, Nuremberg e Hannover 96”

Jeffrey Gouweleeuw era tido como uma das boas promessas do futebol holandês. Na Holanda, ele era um zagueiro que gostava de arriscar quando tinha a bola. Partia para cima dos adversários e tentava o drible. Segundo ele, após a ida para a Alemanha, nada resta daquele zagueiro.

“Você dificilmente pode comparar o meu estilo de jogo atual com o que comecei no SC Heerenveen e AZ Alkmaar. Na Holanda, eu era um zagueiro que buscava ir para cima dos adversários e às vezes até driblava alguns. Com isso, muitos clubes duvidavam do meu potencial. Eu soube que o Borussia Mönchengladbach queria me contratar, mas preferiu não avançar nas negociações, por duvidar do meu estilo de jogo”

Na época foi uma grande decepção, mas com o conhecimento de futebol que ele possui hoje, e principalmente com o entendimento de futebol que é praticado na Alemanha, ele entende perfeitamente que a decisão do Borussia Mönchengladbach foi a mais correta. Agora sou um defensor muito mais consistente, alguém que você pode confiar, o que é muito importante para um jogador que atua no FC Augsburg”

Suas qualidades, estilo de jogo e longo histórico na Bundesliga, fizeram com que Jeffrey Gouweleeuw se tornasse um grande zagueiro. É o que diz Tobias Altschäffl, setorista do FC Augsburg na Alemanha e que trabalhar para o jornal, Bild.

“Quando ele chegou, não sabíamos o que esperar, mas logo ficou claro que ele tinha muitas qualidades. Ele é excelente defensivamente, forte no jogo aéreo e também se tornou um verdadeiro líder. Em Augsburg, Jeffrey Gouweleeuw é o chefe, se você me perguntar, ele é realmente muito bom para o nível do clube.

Para Tobias Altschäffl, o fato de Jeffrey Gouweleeuw nunca ter saído do FC Augsburg para um clube maior até mesmo na Alemanha, é por causa de lesões que Jeffrey Gouweleeuw enfrentou quando estava muito bem.

“Se ele não tivesse tido tantos problemas com lesões, dificilmente ele teria ficado esse tempo todo no FC Augsburg. Ele já teria deixado o clube para defender uma equipe maior. O que mais me surpreende é que ele nunca foi lembrado pela seleção holandesa. Acredito que pelo fato dele jogar em um clube relativamente menor na Alemanha, isso tenha dificultado as coisas para ele e a Holanda também vive uma excelente safra de grandes zagueiros”

No passado, Jeffrey Gouweleeuw falou algumas vezes sobre essa falta de atenção. Isso foi durante o período em que a seleção holandesa experimentou uma péssima fase, perdendo vaga na Eurocopa e Copa do Mundo. Naqueles dias sombrios para a seleção holandesa, as convocações chegavam para defensores medianos da Eredivisie, ou jogadores que haviam jogado apenas algumas partidas em um dos três principais clubes. Jeffrey Gouweleeuw nunca foi nem mencionado em uma pré-convocação.

Isso começou a irritar e ele expressou esse aborrecimento em 2018.

“Às vezes sinto que o que eu fizer aqui, a comissão técnica da seleção holandesa não verá. Jogadores que atuam alguns bons jogos na Eredivisie têm mais chances de ter uma oportunidade do que jogadores que estão jogando semanalmente nas melhores ligas do mundo. Eu realmente não mereço uma chance na seleção holandesa? Não sei, mas sempre estou jogando e em um bom nível. Eu acho que ao menos uma chance eu deveria receber. Resta saber se vou me manter firme. Mas preciso de uma chance para isso”

“Agora estamos alguns anos mais longe daquele momento e eu olho para isso com um pouco mais de distância. Também porque a situação com a seleção holandesa mudou completamente em termos de disputa por vaga. Apenas alguns anos trás, era uma história diferente, enquanto eu estava indo muito bem aqui. Então recebi perguntas de jornalistas alemães ou de pessoas aqui da cidade, se eu ainda pensava em brigar por uma vaga na seleção holandesa”

Jeffrey Gouweleeuw acredita que se ele tivesse jogado em um clube de maior prestígio, as coisas com a seleção holandesa poderiam ter sido diferentes.

“Na Holanda, há pouca atenção para o FC Augsburg. Entendo que, em termos de nome e história, não somos tão grandes quanto outros clubes. Mas temos nos saído melhor do que muitos desses grandes nomes em termos de desempenho há doze anos. Esse é o outro lado da história e senti falta desse reconhecimento na época. Agora estou em paz com isso. Eu pensei que não era bom o suficiente, mas é o que é. Além disso, não sou o tipo de profissional que busca atenção ou reconhecimento dessa forma. Não faço parte de redes sociais e quando não estou no clube, trabalhando, quero permanecer com minha família”

Sua estadia em Augsburg é longa.

“Eu não tinha planejado isso inicialmente, mas combina muito com quem eu sou. O que é bom. Nos últimos anos, vi alguns companheiros de equipe saírem porque achavam que o Ausburg era muito pequeno, queriam ver se conseguiam algo ainda melhor em outro lugar. Esses jogadores muitas vezes se encontraram, às vezes o truque é apenas ficar feliz com o que você tem. Nós temos muitas coisas boas aqui”

“Claro que quando vim do AZ Alkmaar eu tinha um planejamento em mente. Queria passar no máximo três temporadas no Augsburg e depois dar outro passo. Só que foi muito bom continuar aqui”

Há alguns anos, Jeffrey Gouweleeuw sofreu uma lesão que afetou seu desempenho.

“Tudo acabou bem e no final voltei a jogar no mais alto nível. Mas antes de me sentir bem novamente, foi um longo período”

“O FC Augsburg é um clube familiar. Os funcionários e jogadores comem juntos, em dias de jogo sempre visitamos patrocinadores. A cidade também é amigável, tranquila. Toda essa imagem combina comigo como alguém que cresceu em uma vila. E agrada os dois lados, porque senão eu não teria conseguido ficar tanto tempo aqui. Já estendi meu contrato três vezes. O que me orgulho é o meu desenvolvimento dentro do clube. Eu cheguei como um jogador que atuava em uma liga menor e em um clube não tão grande, ao passar do tempo, conquistei meu espaço e hoje, todos os outros jogadores me escutam”

Com 31 anos, Jeffrey Gouweleeuw ainda tem contrato com o FC Augsburg até o final da próxima temporada.

“Eu espero terminar minha carreira aqui, as discussões já estão em andamento”

Nesta temporada, Jeffrey Gouweleeuw espera se aproximar da marca de 200 jogos na Bundesliga em nome do FC Augsburg. Depois disso, ele quer alcançar o recorder de jogador com mais partidas disputadas pelo clube alemão.

“Acho que para alcançar isso, ainda teria que levar mais umas três temporadas. Na minha idade e posição, acho que ainda consigo chegar. Vai ser um desafio, mas é algo que realmente quero alcançar. Minha família é feliz aqui, eu gosto da cidade, minha intenção é ficar muito tempo aqui”

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